AMOTINADOS

14.11.09

Festa dos seios

Festa de antiga turma de faculdade é tão emocionante quanto excursão de ônibus. Desconfortável, roteiro definido e garantia certeira de tédio e fotos mal produzidas, a não ser no remotíssimo caso de a companheira da poltrona ao lado  equilibrar-se graciosamente em roliças pernas mal acomodadas numa micro saia. Contudo, com um copo renovado periodicamente é possível atravessar o deserto. Caso você não aceite o convite, a erupção de comentários pode destruir a sua imagem, queimando-a com boatos de uma inaptidão para a convivência social ou até mesmo um problema sério com drogas. Pelo sim e atendendo ao apelo do marketing social, embarquei naquela viagem ao passado. 
Instalado numa confortável poltrona da sala transformada em salão de festa e no controle de uma long neck gelada, vinha sobrevivendo razoavelmente ao túnel do tempo acadêmico. De repente o alegre burburinho em torno de seios atirou o tédio na parede do convescote, transformando-o em mil pedaços de pura e saudável algazarra. E o mais excitante: dois pares de seios distintos. 
Representante máxima do patricionato da esfacelada turma, Maria Clara aplicara não sei quantos mililitros de silicone nos seios e não escondia-os de ninguém. Viu quem quis, quem não quis e quem passava pela sala. Línguas mais afiadas e menos escrupulosas garantiram que a conferência alcançou inclusive detalhes acerca da rigidez turbinada. 
Mas como a rebeldia sobrevive desde remotas eras, Júlia, quarentona, ex-marxista, ex-petista e ex-amante do professor de comunicação comparada, corpo e idéias definidos, para surpresa até da filha de 16 anos espetou um piercing no mamilo, esquerdo, claro. E se a representante da elite turbinada não escondia a bola do jogo, não seria Júlia que amarraria um bico aos olhares menos discretos e mais etilizados. Não só mostrou o piercing, mas também o suporte impressionantemente bem conservado, para felicidade dos bêbados plantados na sala e discreta indignação  de suas acompanhantes. “A reunião tediosa salva por dois incidentes divertidos”, alegou, diplomática, a dona da casa. “Acidentes geográficos”, atirou um embriagado viajante. “Apetitosos acidentes”, gracejou, grosseiro, o acompanhante da penúltima solteira da turma, para constrangimento da minoria sóbria.
Olhando pela janela do ônibus em festa percebi que mudamos eu e o planeta. Um muro caiu em Berlim, Internet, festas sem Legião, sem Plebe, torres do capital perecendo enlaçadas, filhos crescendo. Mas seios aconchegantes ainda salvam uma noite azul e fria do naufrágio anunciado. Algumas coisas nunca mudam.  (D. Álvares)

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