Tarde de verão, trânsito
infernal, apanhei um táxi rumo ao aeroporto. O celular toca. Atendo. Do outro
lado, Marina, a minha amiga extrovertida, agradável, explícita e lésbica. Sim,
todo hetero inteligente e experiente tem ou deveria ter uma amiga lésbica: ela
conhece um monte de mulheres, algumas bi arejadas e descompromissadas, e você
pode sair com a louca, tomar umas e outras, falar um punhado de besteiras sobre
mulheres, como se a dita fosse um colega de farras. Com uma vantagem fundamental:
quando nos braços de Baco, não desagrada tanto os constantes abraços e a cabeça
periodicamente encostada em seu ombro.
Pelo celular Marina inicia
um relato recheado de detalhes de sua última conquista. Pormenores que me levam
a tecer comentários menos pudicos. Ela desliga com fingida indignação
e o taxista, ligado o tempo inteiro no papo, jura que se trata de uma amante.
Tento desfazer o equívoco.
- Marina é uma grande amiga,
somente.
Em vão.
-Amiga? sei. Também tenho
uma amiga íntima.
A palavra “íntima” escorre da
boca do taxista de forma a não deixar margens às interpretações ambíguas.
Desisto. O herói do trânsito dificilmente entenderia que um heterossexual
convicto pode ter uma amiga entendida sem tentar cooptá-la ao partido do falo.
Falante e disposto a expor
suas intimidades, querendo eu ou não, o ás do volante continua.
- Minha amiga íntima é uma
bem vivida coroa de 40 e tantos. O “tantos” ela guarda a sete chaves.
Lanço um comentário óbvio.
-Natural. Mulheres têm essa
questão com a idade e tal.
Foi como atirar gasolina à
fogueira.
- Pois eu não tenho nenhum
problema. Aliás, prefiro as de 40 prá cima, de preferência separadas.
Ignorando o meu silêncio, o
tiozinho resume com ar professoral e precisão cirúrgica:
- Mulher que já rompeu a
barreira dos 40 não insiste em ligar fora do “horário comercial” (as aspas são
minhas), tem o próprio veículo e pode dormir no meu cafofo, o que significa não
ter de atravessar o planeta para dispensar o pacote depois de dar duas e beber
meia dúzia de cervas (o “pacote” e a contabilidade são dele), na maioria das
vezes racha a conta, não exige ser apresentada ou te apresentar à família, geralmente tem
filhos e não pretende aumentar a prole, já sofreu as agruras de um matrimônio o
suficiente para não desejar repetir a dose e, o melhor, sabe exatamente o que
fazer com um pau e com o resto do corpo que o acompanha.
Diante da lógica do discurso
e 'le gran finale' irretocável, restou-me concordar com o professor. A corrida
chegou ao destino. Despedi-me com um tapinha cúmplice nas costas.
Até tenho certo aspecto de
bobo, mas tento não sê-lo. Na sala de embarque, meus olhos foram
irremediavelmente atraídos pela pós-balzaca de sandálias de couro, cabelos
esvoaçantes, roupas leves, tablet na mão e uma cadeira estrategicamente vazia
ao lado. Sentei-me e arrisquei:
- Desculpe a intromissão,
mas você conseguiu acesso ao wifi grátis do aeroporto?
Ela sorriu generosa.
Balzac
que nada. Salve, salve o sábio filósofo do táxi. (D.Álvares)
Posso dizer que adorei a sua maneira de escrever. Gostei do tema. Enfim, ri.
ResponderExcluirbjsMeus
Catita
Que bom poder contar com você, Dario...escrevendo pra gente. Que bom o Motim das Letras.
ResponderExcluirAbraço!
leve, agradável e bem-humorado!
ResponderExcluirto lendo de novo: "a minha amiga extrovertida, agradável, explícita e lésbica" muito bom -> rsrsrs.
ResponderExcluirsaudade de vc Dário Ál(berto)vares.