AMOTINADOS

21.9.12

A pós-balzaca e o filósofo do táxi


Tarde de verão, trânsito infernal, apanhei um táxi rumo ao aeroporto. O celular toca. Atendo. Do outro lado, Marina, a minha amiga extrovertida, agradável, explícita e lésbica. Sim, todo hetero inteligente e experiente tem ou deveria ter uma amiga lésbica: ela conhece um monte de mulheres, algumas bi arejadas e descompromissadas, e você pode sair com a louca, tomar umas e outras, falar um punhado de besteiras sobre mulheres, como se a dita fosse um colega de farras. Com uma vantagem fundamental: quando nos braços de Baco, não desagrada tanto os constantes abraços e a cabeça periodicamente encostada em seu ombro.
Pelo celular Marina inicia um relato recheado de detalhes de sua última conquista. Pormenores que me levam a tecer comentários menos pudicos. Ela desliga com fingida indignação e o taxista, ligado o tempo inteiro no papo, jura que se trata de uma amante.
Tento desfazer o equívoco.
- Marina é uma grande amiga, somente.
Em vão.
-Amiga? sei. Também tenho uma amiga íntima.
A palavra “íntima” escorre da boca do taxista de forma a não deixar margens às interpretações ambíguas. Desisto. O herói do trânsito dificilmente entenderia que um heterossexual convicto pode ter uma amiga entendida sem tentar cooptá-la ao partido do falo.
Falante e disposto a expor suas intimidades, querendo eu ou não, o ás do volante continua.
- Minha amiga íntima é uma bem vivida coroa de 40 e tantos. O “tantos” ela guarda a sete chaves.
Lanço um comentário óbvio.
-Natural. Mulheres têm essa questão com a idade e tal.
Foi como atirar gasolina à fogueira.
- Pois eu não tenho nenhum problema. Aliás, prefiro as de 40 prá cima, de preferência separadas.
Ignorando o meu silêncio, o tiozinho resume com ar professoral e precisão cirúrgica:
- Mulher que já rompeu a barreira dos 40 não insiste em ligar fora do “horário comercial” (as aspas são minhas), tem o próprio veículo e pode dormir no meu cafofo, o que significa não ter de atravessar o planeta para dispensar o pacote depois de dar duas e beber meia dúzia de cervas (o “pacote” e a contabilidade são dele), na maioria das vezes racha a conta, não exige ser apresentada ou te apresentar à família, geralmente tem filhos e não pretende aumentar a prole, já sofreu as agruras de um matrimônio o suficiente para não desejar repetir a dose e, o melhor, sabe exatamente o que fazer com um pau e com o resto do corpo que o acompanha.
Diante da lógica do discurso e 'le gran finale' irretocável, restou-me concordar com o professor. A corrida chegou ao destino. Despedi-me com um tapinha cúmplice nas costas.
Até tenho certo aspecto de bobo, mas tento não sê-lo. Na sala de embarque, meus olhos foram irremediavelmente atraídos pela pós-balzaca de sandálias de couro, cabelos esvoaçantes, roupas leves, tablet na mão e uma cadeira estrategicamente vazia ao lado. Sentei-me e arrisquei:
- Desculpe a intromissão, mas você conseguiu acesso ao wifi grátis do aeroporto?
Ela sorriu generosa. 
Balzac que nada. Salve, salve o sábio filósofo do táxi. (D.Álvares)

4 comentários:

  1. Posso dizer que adorei a sua maneira de escrever. Gostei do tema. Enfim, ri.

    bjsMeus

    Catita

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  2. Que bom poder contar com você, Dario...escrevendo pra gente. Que bom o Motim das Letras.
    Abraço!

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  3. to lendo de novo: "a minha amiga extrovertida, agradável, explícita e lésbica" muito bom -> rsrsrs.
    saudade de vc Dário Ál(berto)vares.

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