AMOTINADOS

15.11.09

Curva de rio


Casa de solteiro é curva de rio: tudo e todos fazem um pit-stop ali. Galhos, folhas, frutos. E telefone de solteiro é tele-entrega de drogaria 24 horas.
Dia desses, de sono atrasado e corpo moído, o telefone toca. 23h:58min. Exatamente pedentes dois minutos para as 00:00 no visor do celular tremulando no criado mudo.
– Onde você está?
Detesto mortalmente essa pergunta invasiva.
– Tô dormindo.
Resposta mal humorada, maltrapilha. Mas a voz do outro lado, respirando com dificuldade, insiste.
- Preciso falar com alguém.
– Agora? Resisto.
- Já! Escuta, tô chocada, minha filha está transando com o namorado, choramingou. Caiu em prantos.
Despertei. O tema sexo me interessou.
– Como assim? Sua filha deu?
– Filho da puta. Ela fez amor com o namorado.
- “Fez amor” porque é a sua filha. A gatinha trepou com o namorado, provoquei. Arrependi-me. O choro ganhou contornos convulsivos.
– Calma, é inevitável, a vida, você sabe...
Tentei, economizando palavras, consolar. Sem sucesso.
– Eu vou dar uma prensa naquele moleque, ameaçou uma mãe cuidadosa transformada em boxeadora por uma irreparável perda de pureza.
– Qual será o discurso? “Não machuque a minha filha”? “Põe devagar”?
Ironizei para descontrair. Sortiu efeito. Da convulsão conservadora insana, para a realidade mundana.
Entre soluços:
- Porra, mas ela devia ter me contado.
- Como você quando transou pela primeira vez: “Alô! mãe? Tô no motel com o fulano. Acabei de transar”, retruquei, evidenciando o absurdo da reivindicação.

- Faça-me um favor: liga amanhã, implorei.
Consegui me livrar do telefonema, perdi os detalhes e o sono. A Julinha, quem diria. Com aquela carinha de santa... (D. Álvares)



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